A trajetória de Paulo Mendes da Rocha
O Arquiteto
Arquiteto, urbanista e professor, Paulo Archias Mendes da Rocha nasceu em Vitória (Espírito Santo) em 1928. Em 1954, forma-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Filho do engenheiro de portos e vias navegáveis Paulo Menezes Mendes da Rocha, diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – Poli/USP entre 1943 e 1947, tem uma formação familiar ligada à reflexão sobre a relação entre engenharia e natureza. Destaca-se muito cedo, aos 29 anos, ao vencer o concurso para o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, 1958, obra que lhe vale o Grande Prêmio Presidência da República na 6ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1961. Integra, a partir de então, o grupo que, com a liderança de Vilanova Artigas, constitui a chamada “escola paulista” na arquitetura. Realiza entre 1960 e 1961 projetos de escolas para a rede pública,1 e ingressa como professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU/USP. Datam desse período obras fundamentais, como a sede social do Jockey Club de Goiânia, 1962, o edifício residencial Guaimbê, e a própria residência, 1964, no bairro do Butantã, ambos em São Paulo.
Projeta
em 1968, ao lado de Artigas e Fábio Penteado, o Conjunto Habitacional
Zezinho Magalhães Prado – Parque Cecap, em Guarulhos, para 50 mil moradores. Em
1969, após o Ato Institucional nº 5 – AI-5, é afastado da FAU/USP, à qual
retorna apenas com a anistia, em 1980, como auxiliar de ensino –
condição na qual permanece até tornar-se professor titular em 1998, quando é
aposentado compulsoriamente, por ter completado 70 anos de idade. Com os
direitos profissionais cassados, vence, em 1969, em situação paradoxal, o
concurso nacional para o Pavilhão do Brasil na Expo’70, em Osaka: uma grande
cobertura de concreto e vidro apoiada em colinas artificiais. No concurso
internacional para o Centre Georges Pompidou (Beaubourg), em Paris, em 1971,
seu projeto é um dos premiados.
Atuante também no campo da representação de classe,
preside o departamento paulista do Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB/SP
em duas ocasiões: 1972-1973 e 1986-1987. Entre 1987 e 1988, seus projetos para
a Loja Forma e para o Museu Brasileiro da Escultura – MuBE, este também
vencedor de um concurso, inauguram uma nova fase de reconhecimento público do
seu trabalho. Seguem-se a esses os projetos para o pórtico da Praça do
Patriarca, 1992, em São Paulo, a reforma da Pinacoteca do Estado de
São Paulo – Pesp, 1993, e o Centro Cultural da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo – Fiesp, 1996.
Em 1996, as editoras Blau, de Portugal, e
Gustavo Gilli, da Espanha, lançam, em co-edição, o livro Mendes da
Rocha. Seu reconhecimento internacional se intensifica com a Sala Especial
Mendes da Rocha na 10ª Documenta de Kassel, na Alemanha, 1997, e com o
Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-Americana, em 2000, pela reforma
da Pesp. Com a publicação do livro Paulo Mendes Da Rocha: Bauten Und
Projekte, na Europa pela Niggli Verlag, em 2001, e encomendas de projetos na
Espanha, recebe o importante Prêmio Pritzker, de 2006, condecoração máxima
entre os arquitetos no mundo.
Obras
Loja Forma, 1987
O
programa consistia na criação de um espaço para exposição e venda de móveis. E
não qualquer tipo de móveis, mas coleções assinadas pelos principais arquitetos
e designers do século 20. Além disso, o terreno apresentava como característica
importante o fato de estar numa avenida predominantemente ocupada por
estabelecimentos comerciais, com um tráfego intenso e rápido de veículos, o que
eliminava a possibilidade de que os clientes estacionassem junto às calçadas, e
diminuía consideravelmente a probabilidade de que chegassem à loja a pé.
Por um
lado, a forma prismática elementar, que dá ao edifício grande intensidade
formal e lhe confere destaque por contraste em meio ao caos visual que
caracteriza a avenida Cidade Jardim. Um edifício mais elaborado formalmente se
confundiria facilmente com os seus vizinhos, impedindo a sua identificação
imediata.
Por outro
lado, a decisão de criar uma única vitrine, elevada em relação à rua, garante
visibilidade aos objetos à venda do ponto de vista habitual de quem passa pela
loja, quase invariavelmente dentro de um carro e trafegando à velocidade
considerável.
O
problema do estacionamento para clientes se resolveu dedicando todo o nível do
solo a essa atividade (750 m²). Para que isso fosse possível, o piso da loja
foi elevado. A eliminação de qualquer apoio intermediário acrescentou ainda
mais facilidade ao ato de manobrar um automóvel sob o edifício. O fato de que a
entrada da loja se dê por uma escada retrátil é mais um recurso para a
liberação completa do térreo.
Tanto o
desejo de contar com um pavimento térreo livre como o de criar uma longa
vitrine sem nenhum apoio intermediário tiveram importantes consequências técnicas.
É neste
momento em que começa a aparecer a maestria do arquiteto, pois forma e
construção são resolvidas ao mesmo tempo, chegando a resultados de rara
consistência. Ao contrário da maioria dos edifícios com que convivemos, aqui
estrutura e forma se confundem a tal ponto que fica difícil definir qual é
qual. Como em muitos outros casos na arquitetura de Paulo Mendes da Rocha, após
a definição e/ou construção da estrutura resistente pouco falta para
completar o edifício.
Para
vencer trinta metros de vão livre, são necessários vigas e pilares de tamanho
considerável. O que é digno de menção é o fato de que embora essas vigas e
pilares sejam enormes, não nos damos conta dessas dimensões, devido à sua
integração com outros elementos do projeto. Duas vigas protendidas “duplo T” de
concreto de aproximadamente um metro e meio de altura vencem o grande vão ao
nível do piso da loja. Essa dimensão passa despercebida pelo fato de as duas
vigas fazerem parte de um elemento maior que define, ao mesmo tempo, o teto do
estacionamento, o piso da vitrine e o piso do nível principal da loja. Esse
entrepiso é resultado da extensão das mesas das vigas, constituindo duas lajes.
A laje superior conecta as duas vigas sem ultrapassá-las e constitui o piso da
loja. A laje inferior, protendida no sentido transversal, avança até os limites
da caixa e constitui o piso da vitrine. Essa diferença de nível entre as lajes,
além de individualizar a vitrine como um espaço, permite uma visão ascendente e
diagonal do interior da loja desde o seu exterior e no sentido inverso. Uma
brilhante solução que resolve espaço e estrutura ao mesmo tempo, sem nunca cair
na tentação de exibir a “musculatura” do edifício.
Coisa similar acontece com os apoios verticais, quatro pilares retangulares com lados medindo aproximadamente 1,3m. Os pilares são unidos, dois a dois, por lâminas verticais de concreto que dão rigidez ao conjunto e cujas extensão é maior do que a distância entre pilares. Isso acaba tendo efeito semelhante ao que se viu em relação às vigas de concreto protendido: os planos de concreto escondem a real dimensão dos pilares e, pelo avanço da lâmina externa até o limite da caixa, sugerem que o volume é suportado por um plano quase sem espessura. No interior de cada conjunto de dois pilares e dois planos esbeltos –que no jargão local são chamados de “castelos” – estão dispostas as instalações, a escada, elevador, sanitário e demais apoios.
Uma
primeira descoberta é que praticamente a mesma solução é empregada no sentido
vertical e no horizontal, configurando um sistema estrutural principal com a
forma de uma grande letra “H”. Sobre esse H em concreto, formado pelos dois
conjuntos verticais e o conjunto de vigas e lajes que formam o piso
principal da loja, se assentam os outros elementos do edifício, ambíguos em seu
duplo papel de estrutura e fechamento. Resistindo à tentação de reproduzir o
sistema empregado no piso da loja na cobertura, Paulo Mendes da Rocha opta por
um sistema de estrutura metálica para a cobertura e as fachadas.
Vigas metálicas de trinta metros de extensão e
aproximadamente sete metros de altura constituem as fachadas principal e
traseira, resolvendo desse modo a longa e contínua vitrine, que se caracteriza
como um intervalo entre viga superior e laje inferior, uma ausência de
elementos que, paradoxalmente, adquire um protagonismo essencial. Unindo as
duas vigas principais aparecem a estrutura da cobertura e o mezanino da loja, o
qual aumenta a área de loja ao mesmo tempo em que atua como contraventamento de
todo o sistema metálico. Fica assim definido um grande prisma de espaço interior,
cuja unidade o mezanino não compromete, absolutamente adequado ao seu propósito
de expor móveis contemporâneos.
A
precisão está presente em todos os recantos da Loja Forma, tanto no modo em que
os elementos são projetados, na coordenação entre eles, assim como nas suas
junções e terminações. A universalidade da solução reside não apenas na
possibilidade de ser entendida por qualquer pessoa com um mínimo de formação,
mas também no fato de que, embora seja uma resposta a um problema específico,
podemos imaginar esse edifício abrigando atividades diferentes do atual. A
ausência de pilares e instalações visíveis no exterior do grande prisma de
espaço aumenta suas possibilidades de usos diferenciados.
O projeto da Loja Forma evidencia que, quando se trata de obras de arquitetura de qualidade superior, a forma não é um componente a mais, mas o modo em que o programa, a técnica e o lugar são sintetizados. E que, fundamentalmente, a arquitetura de excelência não depende, para o seu surgimento, de localizações espetaculares, orçamentos ilimitados ou programas extensos e glamurosos.
Museu Brasileiro da Escultura – MuBE, 1995
O Museu Brasileiro da Escultura Marilisa Rathsan (Mube) é o resultado da
mobilização dos moradores de um dos bairros mais nobres de São Paulo contra a
construção de um Shopping Center. Liderados pela criadora, fundadora e
presidente da Sociedade Amigos do Museu (SAM), Marilisa Rathsan, após 20 anos a
Prefeitura cedeu em comodato a construção de um museu. Localizado em uma zona
residencial da cidade de São Paulo, o MUBE foi inicialmente projetado para ser
um museu de escultura e ecologia, compondo espelhos d’agua, arvoredos,
bromélias, flores nativas, projetado pelo paisagista Roberto Burle Marx.
Entretanto, foi realizado para ser apenas o museu da escultura. O edifício
principal não é aparente a céu aberto, a não ser pelo alpendre, grande prisma
reto, lugar de abrigo, coberto por uma viga de concreto protendida de 12 m de
largura, vence um vão livre de 60m. O museu tem sua configuração em diferentes
níveis devido a topografia original, aproveitando essas diferenças de altura
para integrar os espaços externos com os internos. Seu interior é composto por
salas de exposição amplas, um auditório, salas de aula e uma cafeteria.
Instalações
O Museu tem em suas instalações Sala de exposições, aulas de arte e Auditório. Recebe exposições itinerantes nacionais e internacionais com área de aproximadamente 1.400 m2. Os Ateliês Oficinas com 600 alunos contam com cursos e workshops mestrados por ótimos profissionais artistas plástico, críticos e historiadores de arte. O auditório tem capacidade para 200 lugares sempre realizando mostras, filmes, slides, dança, debates, congressos e etc. Sempre trazendo cultura em diferentes mídias.
Projeto
A representação da ecologia pelo
jardim de Burle Marx não seria apenas um jardim do Museu, mas parte
integrante da área de exposições ao ar livre idealizado pelo Arquiteto Paulo
Mendes da Rocha pelo simples fato do jardim ser o Museu. Para não se tornar uma
construção convencional com recuos laterais, frente e fundos e analisando as
condições topográficas do terreno, o Arquiteto definiu um Museu
semi-subterrâneo aproveitando o desnível e a construção aflora na entrada pela
Rua Alemanha. Essa solução auxilia a acústica e térmica da área enterrada. A
solução para a proteção da área externa foi uma grande e perfeita horizontal,
perpendicular a avenida Europa. A altura tem referências á escala das
esculturas e escala humana de 2,30m.
“... um
horizontal perfeito é um valor arquitetônico e técnico incomensurável que pouco
se dá atenção. Não existe nada horizontal no universo, na face do planeta.”
Paulo
Mendes da Rocha, 2002
Situado na zona residencial da cidade, o MuBE foi inicialmente imaginado
como um museu de escultura e ecologia. Assim decidiu-se que seu destino seria
abrigar uma “notícia da paisagem”. Realizado apenas como museu da escultura,
ele não deixou de ser imaginado como um jardim, como uma sombra e um teatro ao
ar livre. A edificação principal não é aparente a céu aberto, a não ser por um
alpendre, grande prisma reto, lugar de abrigo simbólico sobre o jardim, ponto
de referência e parâmetro de escala entre as esculturas e o observador.
Entre as formas de pensar o espaço, há aquelas que procede das ideias
aos fenômenos, das medidas a construção. Há uma outra que parte de uma situação
originária para desdobrar novas configurações. A primeira necessita apenas de
cálculos e razão e a segunda de uma imaginação do espaço. Pode-se considerar
que o Projeto de Paulo Mendes da Rocha sugere um raciocínio espacial e
topológico, ao mesmo tempo.
De início parece claro que a inteligência do projeto é ter tomado o lote
por inteiro, como seu campo de intervenção. A aparente distorção da planta, com
seus ângulos agudos e deslocamentos de eixos, se mostra, na verdade, de uma
singeleza desconcertante. A planta é o rebatimento quase em escala natural do
perímetro do lote, que só então reconhecemos com sua geometria deformada.
Da mesma maneira, os cortes e elevações tornam evidente a situação
original do terreno: os desníveis se sucedem da Avenida Europa até a Rua
Alemanha e, daí até o interior do museu, na profundidade permitida pelo lençol
freático, por esses desníveis, o espaço interno aflora, surpreendentemente
visível, no piso superior, sob a forma de uma praça recortada, um anfiteatro e
um espelho d’água.
É o corte, portanto que induz a um percurso ininterrupto do interior ao
exterior e vice-versa, numa clara demonstração da ideia de espaço contínuo.
Se o corte é o rebatimento do terreno e se a planta é o rebatimento do
lote, o resultado dessa equação retirou o lote de sua condição de mero recorte
no mapa urbano, ao lhe restituir o corpo e a fisicalidade do terreno. Só então
se compreende que a extensa viga que atravessa, solta, todo o projeto,
rigorosamente sem função estrutural, sustenta na verdade o que está em baixo, a
superfície construída, e a mantém numa calma tensão, entre a memória plana do
antigo terreno e a sua reconstituição como novo lugar. Essa grande viga foi
criada, pois a intenção do arquiteto era colocar uma pedra no céu, assim como
as pedras de Estonehenge.
Ao nível da grande praça, a
extensa linha da laje (60mx20m), muito baixa como que comprime sob ela o seu
negativo, uma faixa vazia. A proporção quase 1:1 entre a altura da viga e o pé
direito (2m x 2,5m) produz, assim, uma espécie de compressão do olhar em
direção ao piso, que nos leva a descer, pouco a pouco, até o interior do museu.
Percebe-se nesse momento que a dimensão do grande pilar (4mx12m) faz dessa
marquise a medida horizontal e vertical do terreno, ou seja, uma coordenada
cartesiana. É por isso que não se pode entendê-la simplesmente com um objeto
dentro do lote, mas como a medida e a escala visual de todo projeto. É um
marco, não um monumento.
O projeto destrói, assim, a
primeira impressão, a de uma superfície estática sobre a qual um objeto vem
pousar.
Na cota mais baixa do terreno, a
praça de entrada revestida com um mosaico branco é uma mancha clara a dissolver
a gravidade da massa de concreto que desce verticalmente sobre ela. De seu
lado, na cota mais alta, a lâmina d’água no ângulo extremo do lote não espelha
nada, é antes uma reverberação de luz parece agora vir de baixo para cima, como
a recortar um vazio no piso da praça superior. Vista da esquina, ao nível da
rua, dela somente resta uma pequena luminosidade sobre a empena opaca do
concreto, uma imagem fluida da memória horizontal do terreno. A antiga
superfície está assim presente e ausente ao mesmo tempo.
Paulo
Mendes da Rocha impressiona com o projeto deste museu, pois existe um controle
do partido muito grande, e a determinação em implantar o projeto sobre si
mesmo. É uma situação que faz criar um lugar, uma marca na cidade.
Neste em
um sentido próximo a “pedra bruta” de Corbusier, como índice da matéria
anterior à transformação operada pelo trabalho e pela sociabilidade. A
disponibilidade da “pedra bruta” e a técnica são o que permite ao arquiteto
colocar de maneira sutil, a passagem da natureza à cultura, da superfície a
construção.
Concepção e Análise Estrutural
Como
mencionado anteriormente, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha pretendia “colocar
uma pedra no céu”. A maior barreira a ser vencida era a escala, o grande vão de
60 metros, e para isso, foram necessários três requisitos: maior leveza e
resistência da estrutura e evitar a deformação da peça.
Para
obter maior leveza, na seção transversal foi utilizada uma estrutura alveolar,
com paredes delgadas, resultado das nervuras da laje do tipo caixão perdido e
na seção longitudinal foram utilizadas vigas do tipo vierendeel, mais leves e
tão eficientes quanto a de alma cheia.
Para obtenção de maior
resistência, foram utilizados materiais de alta tecnologia, como o concreto de
alta resistência. Normalmente são utilizados concretos com fck 150 ou 180 Kgf/m2,
porém nesta obra foi utilizado com fck 350 Kgf/m2. O mesmo ocorreu com o aço
escolhido, onde normalmente se usa o CA 50, que resiste a 5000 Kgf/m2, foi
usado o CP 190, que resiste a 19000 Kgf/m2, ou seja, quase quatro vezes mais
resistente do o utilizado em estruturas convencionais.
Vencidos esses dois
problemas, ainda restava evitar a deformação da estrutura, que com o peso e o
tempo seriam acentuadas. Para isso foi utilizada a técnica da protensão, com
introdução de cabos de aço, produzindo forças de baixo para cima, ou seja,
opostas a da gravidade. Com isso, criou-se uma contra flecha de 15 cm,
calculada para que nunca seja absorvida totalmente. Outros ajustes foram feitos
no projeto de acordo com a estrutura, como a altura dessa viga, que
inicialmente seria de 2 metros, porém seria necessária a utilização de um
concreto muito mais resistente, passando para 2,5 metros de altura.
Com o problema das
deformações verticais resolvido, passou-se para as deformações horizontais
sofridas pelo concreto e pelo aço, devido a variações térmicas, protensão e
variação volumétrica (retração do concreto na secagem), que pode chegar a 2 ou
3 cm.
Para absorver essas
variações, as vigas foram articuladas aos pilares por quatro apoios, sendo no
pilar menor (mais curto) quatro articulações fixas, e no pilar maior (mais
longo), quatro articulações móveis, permitindo essas movimentações horizontais,
utilizando uma camada de neoprene de 5cm de espessura.
A durabilidade desses materiais deve ser assegurada por algumas medidas, como a proteção das armaduras e cabos de protensão do concreto, que necessitam de um recobrimento adequado para evitar a corrosão. O neoprene, feito de borracha sintética, está mais sujeito ao envelhecimento e ressecamento devido a ações do tempo e, por isso, deve ser trocado a cada 10 ou 15 anos. Prevendo isso, foi deixada uma fenda de 15 cm entre as vigas e o pilar, suficiente para a colocação de três macacos hidráulicos, suspendendo a viga, para substituição do neoprene.
O museu em si é, em sua maior parte, subterrâneo, sendo necessário um sistema de drenagem muito eficiente ao longo de toda sua extensão, pois o lençol freático existente fica numa cota acima do nível da construção. As paredes são continuamente estruturais, de concreto armado, que já servem como pilares e muros de arrimo, e muito bem impermeabilizadas, por estarem em contato direto com a água.
As lajes são protendidas e
nervuradas a cada 2,45 metros, ao longo dos três blocos de 18 metros cada, e
tem espessura de 10 cm, apoiando-se nas paredes estruturais. Somente na parte
do auditório as nervuras seguem a curvatura dos pisos deste.
Essas lajes possuem uma contra
flecha exagerada, para que haja escoamento das águas pluviais, já que o piso da
praça acima é falso. Foram utilizados estrados pré-moldados e grelhas,
permeáveis, para que a água penetre, escorra sobre a laje e chegue até as
paredes estruturais, que possuem calhas de escoamento.
Neste projeto é claro percebemos
que a concepção estrutural nasce junto com a concepção arquitetônica, já que a
estrutura é a própria arquitetura.
É importante enfatizar que para o
desenvolvimento de 1 projeto como este é indispensável essa ligação.
Paulo Mendes da Rocha teve a
intenção em seu partido de criar um marco na cidade, porém respeitando o
partido do bairro, perde a escala urbana. Já para o visitante, esse conceito de
monumentalidade torna –se evidente.
Pelo declive do terreno e a
vontade do arquiteto de utilizar o subsolo, a solução usada com paredes
estruturais e muros de arrimo, foi a mais adequada, permitindo grandes vãos
livres nas áreas de exposição.
Em relação a “pedra no céu” (grande
viga), não corresponde a uma inovação estrutural, já que foi utilizado o
concreto de vigas simplesmente apoiadas em pilares. Porém, a dificuldade de
vencer o grande vão foi superada pela utilização da viga Verendel e da contra flecha
de 15 cm. Soluções interessantes foram utilizadas com relação à movimentação
horizontal, como as peças de Neoprene.
O arquiteto deu muito mais
importância à estética e mantendo – se fiel a sua primeira ideia, colocando em
segundo plano a quantidade de concreto exagerado, a dificuldade e o longa tempo
de execução da obra.
Cobertura Praça do Patriarca, 2002
A nova cobertura para o acesso à
galeria Prestes Maia, agora Masp-Centro, mal foi inaugurada, e já tem gerado
muitos comentários. Tanto porque situa-se em um dos locais de maior fluxo da
cidade – a praça do Patriarca, ponto de chegada do viaduto do Chá –, como pelo
fato de ser a construção mais recente do arquiteto Paulo Mendes da Rocha.
Mas no que consiste a
intervenção? Por um lado, na restauração da praça, que havia sido convertida em
terminal de ônibus. Por outro, na sua transformação em um espaço novo: a obra
tem despertado a curiosidade dos passantes devido à sua formalização “sui generis”,
que excede a simples função de uma cobertura. Além disso, instalou no centro da
cidade um canteiro de obras inusual, quase naval, com grandes perfis metálicos
pré-fabricados, chapas curvas e máquinas de solda.
Ao lado dessa inquietação, a obra
tem provocado também uma certa rejeição, dada a radicalidade com que se expõe e
intervém no espaço urbano. Nostálgicos da cidade do século 19 ficaram
insultados com o que parece ser uma intromissão na escala da praça. Ou, ainda,
com a heresia de aparentemente ter-se obstruído a visão da igreja de Santo
Antônio, que ali se encontra. Ora, sabemos que a particularidade de São Paulo,
tanto na beleza quanto na feiura, está na sua capacidade de se transformar.
Característica que faz com que posturas exageradamente preservacionistas, que
só se justificariam caso a praça ou suas edificações fossem exemplares
significativos da nossa arquitetura, representem, ao fim, não mais do que
questões deslocadas.
Neste projeto, não há lugar para
um certo bom gosto de juízo ponderado, que prefere aplaudir o que entende como
uma transgressão contida, conseguida por Mendes da Rocha no edifício da
Pinacoteca do Estado, onde as “interferências” metálicas dialogam mais de perto
com os elementos antigos. No pórtico da Praça Patriarca não há meio termo, ele
é indesculpavelmente acintoso.
A ideia de que o pórtico encoste demais nas edificações vizinhas, possuindo proporções exageradas, também é um falso problema. Pois, se os pilares estivessem mais próximos à cobertura, ambos seriam percebidos como um objeto único, que se assenta sobre o terreno. No entanto, trata-se do contrário. O conjunto é uma realização espacial que ultrapassa a objetualidade autossuficiente e a escala da praça isolada. Percebido como uma sucessão de planos interrompidos que emolduram a paisagem da cidade de diferentes modos – estáveis e instáveis –, o conjunto viga-pilar-marquise implanta-se como se quisesse atravessar os edifícios laterais, indicando um sentido ilimitado de passagem, como a direção transversal da rua São Bento, que corta a praça ligando a igreja de mesmo nome à de São Francisco.
Realizando uma leitura da cidade,
o projeto é um inteligente comentário sobre o desejo de não confinamento dos
seus espaços, definindo, ao mesmo tempo, na escala local, uma praça aberta que
pode ser lida como um átrio para a igreja. Essa anti-objetualidade expansiva de
uma arquitetura que passa a dar sentido, por contraste, ao entorno, pode ser
melhor compreendida se comparada à pirâmide do Louvre, que também protege o
acesso a uma entrada subterrânea de museu, mas configura-se como um objeto
ensimesmado (note-se também que o sentido de uma sombra ao ar livre revela o
caráter tropical do projeto).Outra implicação fundamental do pórtico, que
complementa as anteriores, é o seu caráter de medida. Como uma régua
horizontal, dá parâmetros para a percepção da topografia da cidade, feita de
vales e colinas, demonstração eloquente do cenário em que esta surgiu. Assim, o
poder de irônica suspensão de sua cobertura está ligado ao fato de permitir o
livre fluxo urbano, pela comunicação com um plano mais baixo, que é o vale do
Anhangabaú. Razão pela qual é fundamental que o acesso inferior à galeria nunca
seja bloqueado, pois a qualidade de passagem é o que garante ao projeto sua
inserção urbana, e em grande medida ampara o seu sentido espacial.
Reforma da Pinacoteca
A América das navegações, encontrada
como comprovação da forma da Terra, surge, para o homem, como a inauguração da
consciência de sua presença no universo e da esperança na invenção e na
transformação promovidas pela modernidade. No trabalho do edifício da Pinacoteca, duas operações marcam, de maneira fundamental,
sua transformação. Em um primeiro momento, a rotação do eixo principal de
visitação, lograda graças à manobra sutil de cruzar, com pontes, os espaços
vazios dos pátios internos, que altera a implantação do edifício e sua relação
com a cidade. Esta manobra, no interior do edifício, exibe a virtude da
arquitetura em sua extensão ao espaço urbano, seu poder de narração — linguagem
peculiar de uma forma de conhecimento histórico do gênero humano. Experiência.
O objetivo primordial da obra foi a adequação do edifício às
necessidades técnicas e funcionais para receber definitivamente a Pinacoteca do Estado,
cujo perfil funcional estava perfeitamente delineado pela sua localização
urbanística, pelos espaços internos, pelo público potencial e pela ideia de
ampliação do acervo, recepção de exposições temporárias e dotação do prédio de
toda a infraestrutura necessária.
O
projeto procurou resolver os problemas detectados no diagnóstico do prédio: a
umidade que paulatinamente degradava as robustas paredes em alvenaria de
tijolos de barro; a complicada distribuição das áreas de exposições espalhadas
por inúmeras salas e estruturada a partir dos vazios internos conformados por
uma rotunda central em forma octogonal e dois pátios laterais e, ainda, o plano
de acesso, comprometido pelas transformações urbanas ocorridas nas áreas
entorno do edifício.
As esquadrias das janelas das fachadas internas puderam ser retiradas e mantidos seus vãos abertos, gerando uma grande transparência e destacando as grossas paredes autoportantes de alvenaria de tijolos.
Criou-se, dessa forma, uma nova espacialidade em todo o recinto da Pinacoteca: na sucessão dos espaços, no fluxo dos visitantes, na luminosidade, produzida ou reproduzida com os recursos arquitetônicos projetados.
Com a viabilização da nova circulação
pelo eixo longitudinal do edifício, interligando as duas varandas laterais, e
devido ao fato de estar o prédio numa esquina, a entrada do museu foi
transferida para a frente da Praça da Luz, na face sul, modificando-se a sua
implantação com relação à cidade. Ressalta-se a utilidade importante do uso das
varandas como espaços de acolhimento, uma área vestibular ainda externa, mas
abrigada e equipada com serviços ao público. Também foi corrigido, dessa forma,
o inconveniente estrangulamento entre o prédio e a Avenida Tiradentes. O
acesso, agora possível a partir de um amplo recuo com relação a Praça da Luz,
espaço externo largo e contínuo, estabelece um diálogo interessante com o belo
edifício da Estação da Luz e a animação proporcionada pelo metrô e pelo Parque
ao lado.
As fachadas externas foram preservadas como se mantiveram nestes 100 anos de existência do edifício. A sua alvenaria de tijolos aparentes é uma imagem forte e marcada na cidade. A solução foi limpar e neutralizar agentes agressivos acumulados pela poluição, manter os incontáveis meandros dos ornamentos esculpidos nos tijolos, muito desgastados, e proteger quimicamente de forma adequada, conservando a cor e textura.
Quanto aos materiais utilizados, o aço foi o principal material construtivo adotado. Está presente nas passarelas, nos elevadores, nos parapeitos, nas novas escadas, nas estruturas dos novos pisos e coberturas, nas esquadrias e nos forros. Seu uso foi devido a sua melhor adequação às condições locais de execução, sua leveza (material e desenho) e por estabelecer um diálogo interessante e desejável com a construção original, entre o novo e o antigo.
Complementando a adequação do edifício às condições técnicas e de infraestrutura necessárias no desempenho adequado da função museológica, foram executadas algumas obras prioritárias: o reforço estrutural dos pisos originais de madeira através de vigamento; complementar com perfis de aço; sistema de climatização nas áreas das Exposições Temporárias, Depósito do Acervo, Auditório, Laboratório de Restauro; elevadores para montagens e público; sistema de controle e segurança; sinalização; rede elétrica com adequada capacidade de carga; ampliações das áreas do Depósito do Acervo, Laboratório de Restauro e Biblioteca; criação do Café e Restaurante.
Casa Gerassi
Um dos pilares das esquinas posteriores da casa eleva-se para receber um volume cúbico da caixa d’água.
Não há corredores. Os três dormitórios em suítes têm suas portas diretamente a esse salão. Enquanto este tem suas vistas a nordeste, os dormitórios dão para sudoeste. A cozinha e área de serviço é lateral ao salão principal, separada deste pela escada, também iluminada zenitalmente. O programa e a distribuição funcional, da mesma forma que a estrutura da casa, é muito simples.