Affonso Eduardo Reidy - vida e obras

 

História

A passagem da corrente modernista no Brasil pode ser dividida em duas vertentes, uma delas voltada a estética do projeto, mais preocupada em solucionar a “artisticidade” da forma do que em resolver as reais deficiências arquitetônicas do país e outra, bem mais discreta, voltada a sanar os problemas  brasileiros e a adequar os conceitos da arquitetura moderna às tradições construtivas e urbanas locais.

A obra de Affonso Eduardo Reidy não apenas faz parte da vertente silenciosa da arquitetura brasileira como é um dos seus principais representantes. Mas apenas recentemente seu trabalho começou a receber a atenção que merece.

Como a de muitos arquitetos brasileiros que desenvolveram sua prática a partir dos anos 1930, a arquitetura de Reidy se desenvolve a partir de duas origens importantes: a influência intelectual de Lúcio Costa, e a absorção de elementos da obra de Le Corbusier, combinando os “5 pontos para uma nova arquitetura” com alguns tipos ou estruturas formais extraídas da sua obra. No entanto, não é a afiliação corbusiana que define a importância da sua obra, mas o modo em que esta é desenvolvida e transcendida. Muitos foram os que usaram como ponto de partida o sistema formal criado por Le Corbusier, mas poucos foram capazes de ir além do seu uso e adaptá-lo tão bem às realidades locais quanto Reidy.

Sua importância no panorama da arquitetura moderna brasileira reside no fato de que o repertório herdado de Le Corbusier vai gradualmente se refinando e ampliando na medida em que enfrenta cada encargo específico. Em cada projeto, o significado não emana dos elementos componentes, mas das relações estabelecidas entre eles, cuja lógica é parcialmente decorrente do terreno e do programa de necessidades. Na obra de Reidy, as exceções formais ao sistema geral nunca são resultado de um capricho pessoal, mas respostas à potencialidades latentes no programa ou sítio, como bem ilustram as barras curvas presentes nos conjuntos do Pedregulho e Marquês de São Vicente.

 

Ao contrário de muitos arquitetos modernos da segunda ou terceira geração, para Reidy o diálogo com a cidade tradicional era sempre um aspecto fundamental do processo criativo, não apenas quando projetava no casco histórico do Rio de Janeiro, mas também quando tinha que criar uma nova condição urbana em áreas periféricas da cidade.


Obras


Museu da Arte Moderna

 

O Museu da Arte Moderna é um dos projetos mais icônicos de Affonso Reidy, o edifício sustentado por quatorze pórticos em concreto armado aparente posicionados a dez metros de distância entre si, sendo esse o sistema estrutural de maior influência no edifício, e formados por uma viga superior, dois pilares principais inclinados ao exterior e dois pilares menores inclinados ao interior que formam um V com os primeiros. Os pilares em V tem comprimento total de oito metros e meio. Em seção transversal, os pórticos apresentam um formato trapezoidal.

Em planta, um retângulo de cento e quarenta metros de extensão por vinte e oito metros e trinta centímetros de vão são o que formam a implantação do projeto. Não há pilares no centro do edifício e os pórticos possibilitam que o vão seja completamente livre de apoios internos. Os braços internos dos pilares em V sustentam o primeiro pavimento. A viga superior é responsável pelo apoio da cobertura e, a partir dela, os tirantes de cabos de aço estruturam os mezaninos.



Implantação




Vistas do projeto

Vista interna - construção do projeto


Uma escada curva em concreto aparente é destaque em meio à planta livre do pavilhão. Seu diâmetro mede nove metros e sessenta centímetros e o que a faz vencer esse vão sem pilares de apoio é a viga central que se desenrola na sua extensão.


Vista escada que liga o piso térreo ao primeiro pavimento

 A flexibilidade dos recintos é também assegurada verticalmente através da descontinuidade das lajes de cobertura, gerando três pés-direitos diferentes: oito metros, seis metros e quarenta centímetros, e três metros e sessenta centímetros. Essas alturas são variáveis para que o edifício possa abrigar obras de arte de tamanhos diversos.
Os dois edifícios anexos ao pavilhão de exposição separam-se dele através de dois jardins diferentes. O primeiro é composto por dois retângulos que conformam um L. Nele estão o bar e o restaurante. O segundo possui contorno irregular e abriga o teatro. 


Pórticos em construção


Construção do conjunto

Detalhe - suspensão da laje interna

Sequência de pórticos

Vista aérea


Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho)
 
O Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, conhecido como Pedregulho, foi projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy em 1947, para abrigar funcionários públicos do então Distrito Federal. Localizado no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro, o Pedregulho compõe a fase social da arquitetura de Reidy, ao lado da Unidade Residencial da Gávea (1952) e do Teatro Armando Gonzaga (1950), em Marechal Hermes. Um dos maiores nomes da arquitetura moderna brasileira, Reidy tem grande atuação como urbanista, participando de diversos projetos para a cidade do Rio de Janeiro, desde 1929, quando trabalha com Alfred Agache na elaboração do plano diretor da então capital federal. A partir de 1932, responsável pelos serviços de arquitetura e urbanismo da Prefeitura do Rio de Janeiro, envolve-se com uma série de soluções para a área central da cidade, das quais uma das mais famosas é a urbanização do Aterro do Flamengo. O Pedregulho, elogiado por Max Bill, em 1953, e por Le Corbusier, em sua passagem pelo Brasil em 1962, marca um momento de reconhecimento internacional das obras arquitetônicas e urbanísticas de Reidy.


Visto da lâmina serpentiante

 A estética e os princípios defendidos por Le Corbusier se fazem sentir nesse projeto, no cuidado com as tecnologias aplicadas na construção, na economia de meios utilizados e nas preocupações funcionais estreitamente relacionadas às soluções formais: controle da luz e da ventilação, facilidade de circulação. Se a inspiração teórica e o método são tributários do programa corbusiano, o vocabulário plástico empregado beneficia-se das soluções de Oscar Niemeyer para o conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte: a retomada de arcos e abóbadas, as linhas curvas e os desenhos ondulantes.



Plantas da lâmina serpentiante

Tipologia de plantas

Corte da lâmina residencial e acesso intermediário


 

Vista lateral e aérea do projeto

Perspectiva do conjunto completo

Na concepção arquitetônica do complexo, com 328 unidades, cada obra é definida por um volume simples, onde a forma indica a diferença de funções: o paralelepípedo destina-se aos prédios residenciais; o prisma trapezoidal aos edifícios públicos; e as abóbadas, às construções desportivas. A intenção de manter a vista da baía de Guanabara para todos os apartamentos leva Reidy a projetar uma grande construção sobre pilotis, que dribla o declive natural da área pelo uso de passarelas, e uma avenida posterior no topo do terreno, recursos que dispensam elevadores. Os pilotis de alturas variáveis constituem outra solução original empregada em função dos desníveis do solo. A peça-chave de todo o conjunto é o grande edifício construído no alto, de planta serpenteada, que acompanha as condições naturais do terreno. Tal modelo de planta também estava sendo usado no Pavilhão do Massachussetts Institute of Technology – MIT, Cambridge, Estados Unidos, projetado por Alvar Aalto entre 1947 e 1949.


Vista aérea do conjunto

Vista do conjunto

        Nos prédios residenciais, nota-se a inspiração dos edifícios do Parque Guinle, construídos entre 1948 e 1954 e projetados por Lucio Costa, evidenciada na concepção das fachadas, na justaposição de planos cheios e das superfícies vazadas e no uso de cores contrastantes. Especial atenção é concedida ao conjunto escola-ginásio-vestiários. A escola do Pedregulho é concebida como um prisma trapezóide montado sobre pilotis, com amplo pátio coberto no térreo. As salas de aula, localizadas a sul, dão para um terraço particular. A fachada inclinada garante a luminosidade e as aberturas no topo das divisórias entre as salas e o corredor asseguram a ventilação, também reforçada pelo emprego de uma trama de cerâmica no limite do corredor. A escola encontra-se integrada às dependências esportivas pelo desenho da cobertura e pelos contrapontos formais acionados: os arcos e o fechamento do ginásio contrastam com o traçado reto e com a arquitetura vazada das escolas. No ginásio, um grande painel de azulejos de Candido Portinari reforça o diálogo entre as artes buscado por Reidy.

Vista interna no piso de acessos

Vista aérea da quadra esportiva

O conjunto do Pedregulho traz em sua concepção a naturalidade e consistência da Arquitetura Moderna Brasileira, aliadas aos preceitos urbanísticos dos CIAM’s, revelando de forma acabada a relação entre habitação social, modernização, educação popular e transformação da sociedade.


Conjunto Pedregulho


Casa Carmem Portinho

 

A casa foi construída em meio à densa vegetação em terreno de 9 mil m² com acentuado declive no sentido da ampla vista voltada para a cidade. Dois corpos articulados por um pátio interno, uma rampa e uma passarela foram implantados tipicamente a meia encosta. O primeiro corpo foi assentado diretamente no solo e abriga garagem, dormitório de empregada, serviço e o acesso principal. O segundo flutua sobre o terreno e apoia-se diretamente sobre pilotis: evitando arrimos e cortes desnecessários. Neste segundo corpo, foi arranjado o restante do programa, bastante enxuto composto por cozinha, dormitório, estúdio, estar e um terraço um nível abaixo, acessado por uma escada que sai junto ao jardim interno.
Toda a estrutura foi construída em concreto armado, com cobertura de telha de fibrocimento. O telhado em “V” com caimento para o centro da casa permitiu aumentar o pé-direito na sala e dormitório facilitando a ventilação cruzada entre os compartimentos, além de direcionar e liberar a fachada em seus vãos plenos para a visual mais importante.


Planta da residência

Corte AA

Esta casa singela, do arquiteto do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, nos revela sua maestria e pertinência em tratar a relação entre um artefato e o seu contexto num sentido lato: físico e ambiental, tecnológico, cultural e arquitetônico. São exemplos os assentamentos dos corpos ora apoiados no solo, ora flutuando, a solução inclinada do telhado da cobertura que ainda evita a laje impermeabilizada, as esquadrias de madeira, vidro e persianas que se remetem às tradicionais gelosias, a sala que também é varanda reentrante, a leveza dos pilotis recém adquiridos e a transparência e elegância da articulação dos volumes




Vista da casa




Residencial da Gávea
 
    No contexto das tipologias desenvolvidas e adotadas como modelo, o conjunto Habitacional Marques de São Vicente, na cidade do Rio de Janeiro, ainda Capital Federal, foi realizado esse projeto via Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal idealizado por Reidy e construído entre 1952 e 1954 onde repete a solução curvilínea adotada no Pedregulho, no entanto com maior importância aos aspectos econômicos.
Dentro do conceito urbanístico de unidade de vizinhança o projeto com 748 apartamentos apresentava equipamentos voltados ao consumo de bens e de serviços urbanos, ou seja, jardim da infância, escola primária, playgrounds, mercado, lavanderia, posto de saúde, igreja, auditório ao ar livre, campos de jogos, administração e serviço social.
        O conjunto habitacional foi implantado sobre uma encosta paralelo as curvas de nível, acompanhando a sinuosidade do terreno, elevado sobre pilotis e com pavimento intermediário aberto e de uso comum aos moradores com destaque construtivo para os pilares com “V”, que alternados com as colunas permitiu um equilíbrio da composição.
Neste contexto as lavanderias comunitárias situam-se no último piso que apresenta marquises vazadas criando o coroamento do prédio, espaço este que se encontra desativado e destinado ao simples depósito de materiais em desuso.
    A fachada, consequência de cheios e vazios contrasta propositalmente com a superposição de janelas na parte superior. O terreno destinado à implantação do Conjunto Habitacional Marques de São Vicente configura uma área de 114 mil metros quadrados, composta por topografia parte plana e parte bastante acidentada, a qual se estende pela encosta até atingir sessenta metros de desnível.
          No entanto, como a implantação do projeto ficou incompleta e o único bloco construído, em 1979, foi parcialmente modificado com a abertura do túnel que liga a Gávea a São Conrado. Segundo Carmem Portinho a construção do conjunto da Marques de São Vicente na Gávea construído pelo departamento de habitação popular que ela coordenava demorou muito mais tempo que a construção do Pedregulho talvez por ser muito maior. Dos blocos que eram para ser construído, apenas o curvo foi executado, como é hoje, assim mesmo interrompido por diversas vezes, neste período ela pediu sua aposentadoria por discordar com as orientações sobre moradia popular que recebia do governo de Carlos Lacerda e logo depois Reidy também se aposentou de modo que nada mais tiveram com o andamento da obra.
       Parte do edifício foi recortada e algumas unidades residenciais foram suprimidas. Apesar das modificações o edifício encontra-se em razoável condição de conservação externa, situação melhor que a do Conjunto Habitacional Prefeito Mendes de Moraes, embora não haja registro de projetos de intervenções destinados à restauração do edifício. O conjunto foi tombado em 2001; pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
        A alteração sofrida pela edificação é responsável pelas muitas queixas dos moradores em relação ao barulho decorrente do intenso trêfego viário, cuja imensa frota carioca, circula sob seus apartamentos. Vale mencionar que antes da construção do conjunto, este terreno abrigava uma favela com aproximadamente 5.262 pessoas ocupando 955barracos em péssimas condições de higiene, resultado da degradação progressiva de um Parque Proletário, projeto polêmico da Prefeitura do Rio de Janeiro decorrente de intervenções públicas nas comunidades. O Parque Proletário da Gávea foi construído 1942 em plena Avenida Marques de São Vicente, no ano de 1952 já se encontrava totalmente deteriorado e em péssimas condições sanitárias e de manutenção. Este projeto do governo federal e da prefeitura do Rio de Janeiro foi o primeiro dos três inaugurados entre 1942 e 1943 com o objetivo de abrigar provisoriamente moradores de favelas que seriam urbanizadas. Os outros dois parques com estrutura semelhante foram construídos nos bairros do Caju e do Leblon (MONTEIRO, 2004).
        O Conjunto Habitacional Marques de São Vicente seguia a filosofia de alugar e não vender os apartamentos aos funcionários da prefeitura, da mesma forma que foi feito com o Pedregulho, no entanto mesmo antes de concluído alguns políticos deixaram de lados os assistentes sociais e os apartamentos foram distribuídos à revelia. O edifício construído foi ocupado por um grande número de funcionários públicos municipais e pouquíssimos moradores vieram da favela do Parque Proletário da Gávea, pois a demanda também era alimentada pelos remanescentes da venda ou desapropriação das vilas operárias da região e arredores. Hoje o prédio de seis andares conhecido como “Minhocão” tem 308 apartamentos, cerca de dois mil moradores, seis porteiros e, sabe-se que para a tristeza dos mais velhos, nenhum elevador.
         Segundo a síndica Sra. Leila Lopes há nove anos no cargo, o conjunto habitacional é sinônimo de ambiente familiar e segurança para quem vive nos apartamentos sendo o grande vilão, o barulho vindo do túnel, que tira o sono dos moradores, mas é, segundo ela, ainda um bom lugar para se viver. O prédio passa por obras para contenção de infiltrações e troca da tubulação de gás, no entanto, já deu muito trabalho aos moradores e administradores, houve tempo em que esteve abandonado e com problemas com usuários de drogas. Hoje, mais organizado, apresenta pessoas que se conhecem e convivem desfrutando um clima de confiança.








Ministério da Educação e Saúde – Edifício Gustavo Capanema

 

Em 1936, Affonso Eduardo Reidy foi convidado para fazer parte do projeto do Ministério da Educação e Saúde, atual Edifício Gustavo Capanema, a obra, além de ser um dos primeiros arranha-céus da América Latina, é um marco para a arquitetura moderna brasileira.
Também fez parte da equipe do projeto os arquitetos Lúcio Costa (líder do time), Carlos Leão, Oscar Niemeyer, Ernani Vasconcelos, e Jorge Machado Moreira. Esse grupo ficou conhecido posteriormente como Escola Carioca. Além de todos esses nomes, Le Corbusier fez parte dessa equipe quando foi convidado para supervisionar o trabalho, o que trouxe várias características da arquitetura moderna que surgia na Europa.
O edifício de 16 andares  é composto por duas lâminas que interceptam-se perpendicularmente: uma barra horizontal de cento e cinco metros de comprimento por vinte e seis metros de largura e doze metros de altura, e uma lâmina vertical de setenta e oito metros de altura, setenta e três metros e cinquenta centímetros de comprimento, e vinte um metros de largura. Ambos edifícios apresentam áreas abertas em pilotis que separam as áreas fechadas do pavimento térreo. Configura-se um T formado por volumes fechados nas três pontas e no ponto de cruzamento separados pelas áreas abertas e fluidas dos pilotis. Vale destacar também o trabalho de Roberto Burle Marx responsável pelo paisagismo do terraço-jardim.